Há um tempo estava rolando o feed do instagram e me deparei com as pinturas da artista Laura M Mattos na conta da Dan Galeria. Prendi a respiração. Que baita encontro! Fui tomada pela técnica minuciosa, por sua paleta de cores suave e por seus temas que me geraram identificação instantânea.
Laura (Sorocaba, 1965) é artista visual e trabalha com ênfase na pintura, é Mestre em Têxtil e Moda, pela EACH – USP, e sua pesquisa leva o título “O cinema americano das primeiras décadas do século XX e construção de estereótipos femininos: algumas análises.” É Membro Fundador do Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba, e atua voluntariamente na coordenação do Educativo no Museu.
Nas palavras da própria artista: “Minha pesquisa pictórica estabelece a casa como cenário natural e seu vestuário como figurino para questões existenciais contemporâneas. Na pintura a óleo figurativa, utilizo a história da arte como suporte de pesquisa para a conexão entre minhas coleções de objetos genuínos e comuns de cada espaço e os discursos desenvolvidos pelos artistas em seus desafios pictóricos crio a alegoria de me vestir de pintura através desses objetos com potencial pictórico, ao mesmo tempo que sugerem discursos análogos e pertinentes ao feminino.”
A série Visto-me (2021-2023) é composta por pinturas de autorretratos, nos quais a figura da artista interage com objetos diversos inseridos em um primeiro plano, o que Laura considera que são “objetos organizadores”. Tais itens compõem o seu cotidiano, mas podem ser pouco notados: livros, um ferro de passar roupa, uma toalha com renda e detalhes floridos, vassoura, louças de porcelana etc. Matéria do ordinário.
Não tem como não se apaixonar pela série Inventários (2021-2023), que traz peças de roupa enfileiradas em cabides, a visão interna de um armário recém aberto. Sabe-se que a representação de tecidos em obras de arte é algo muito antigo, e também um desafio na tentativa ser fiel ao panejamento, seu movimento, a luz e sombra, as dobras, os efeitos imitando cada tipo de tecido diferente, rendas, veludo, cetim… e também todos os detalhes de estampas e outras particularidades. Peças que contam uma história, fazem lembrar de um momento específico, definem um estado de espírito.
Gosto também da série Banheiros (2021-2022), outro desafio pictórico que Laura se impôs durante a pandemia da COVID-19. Ainda atenta aos detalhes, a artista buscou em sua casa, durante o isolamento social, superfícies que pudessem refletir de modo bastante sutil a sua própria imagem. O resultado foi uma série de pinturas com composições interessantes e uma paleta de cores linda, cheia de nuances e de beges e verdes que são uma pausa para o olhar. Lembra um pouco as saunas da Adriana Varejão que, por sua vez, privilegia as ausências.
No texto disponível no site da Dan Galeria, que representa a artista: “Em seus trabalhos recentes, Laura usa como referência fotografias que faz de cenas domésticas rotineiras. Ela se interessa por sua automatização e consequente invisibilidade e, sobre as quais, retira objetos que podem ser espelhados ou vestíveis com simbologias específicas ao meio, as quais encena e fotografa para que se tornem referência pictórica. Usa a tinta à óleo como material, pela tradição da técnica em si e, pelas possibilidades de produzir variações sutis nos tons de pele na representação da figura que se funde ao ambiente que vive. Com esse trabalho, aborda a carga mental, física e emocional das mulheres que exercem funções diárias em seus ambientes domésticos e a sensação de invisibilidade dentro desse contexto.”
A carga mental, física e emocional das mulheres é realmente denunciada nessas cenas. Em uma entrevista a artista menciona que pinta mulheres “com a cabeça cheia e os olhos vazios”, tendo a casa como testemunha desse cansaço, que aparece nas roupas jogadas, no solidão de um banheiro, no olhar para o que está ao redor e nunca além.
Interessante pensar no que pode significar o interior nas obras de Laura, o interior de sua casa, de um armário, de um cômodo, de sua mente. Elencando tudo o que toca do lado de dentro, em pesquisas que se iniciaram numa época em que estar dentro era mandatório. Uma urgência que levou a artista a buscar detalhes e desafios no espaço onde estava para levar a mente e o fazer artístico para outro lugar.
Em 2023 e 2024, ela cria as pinturas Reflexões, ainda cenas internas, íntimas de um cotidiano feminino muito bem construído em técnica e na escolha de objetos.
Vejo a mim mesma em algumas pinturas de Laura. Na camisola de bolinhas, na interação com os livros, na minha coleção de pequenezas, meus tesouros preciosos, um anel de vó e um marca páginas preferido. Talvez seja um bom desafio para a semana, realizar cada tarefa do dia a dia como se fosse um ato grandioso digno de uma pintura detalhada. Varrer o chão como quem ladrilha o caminho para o amor passar, escrever um texto como quem escreve um Manifesto, conhecer uma nova artista como quem revê uma velha amiga. Ousadias possíveis.
“Eu sempre me interessei pela figura humana, essa figura humana feminina. Eu sou de uma família de matriarcado, isso teve muita influência pelas minhas buscas e meus interesses.” Laura M Mattos
Algumas dicas antes do fim
para assistir: Leonora Carrington, The Lost Surrealist, dirigido por Teresa Griffiths, 2017. Um documentário sobre uma das minhas artistas preferidas, bruxona mística, pintora singular, que explora sua evolução um tanto conturbada de debutante britânica à artista no exílio, vivendo seus últimos dias na Cidade do México. Uma oportunidade de mergulhar em seu mundo mágico, ambivalente e iconográfico. Infelizmente sem legendas em português. Assista aqui.
para ler: Women in Art, Rachel Ignotofksy, Editora Crown Books for Young Readers. Ganhei esse livro de presente do meu afilhado (Milo🤍) e terei como meta presentear todas as crianças (e talvez adultos?) que eu conheço com ele. Uma apresentação de mulheres artistas e criativas com ilustrações lindas e textos simples, para inspirar, ampliar o repertório e conversar com os pequenos e pequenas sobre arte e mulheres. Precisa começar cedo. Compre aqui.
para contratar: Tati Abreu da Barbarella Foto & Filme. Precisa de uma fotógrafa com um olhar sensível aos detalhes? Aqui está. Depois de muita pesquisa, conheci o trabalho super poético da Tati e acabei contratando ela para fotografar meu casamento civil e também a festa. O resultado foi um conjunto onírico de imagens que serão as minhas preferidas para o resto da vida. Fora que ela é linda, querida e e te deixa confortável em todos os momentos, sem poses forçadas (e ainda topa suas ideias mais excêntricas!) Recomendo muito! Conheça mais aqui.
para participar: Luto e Literatura com Natalia Timerman no Centro de Estudos Psicanalíticos. No dia 21 de junho, das 19h às 21h, vai rolar esse encontro super legal com a psiquiatra, psicoterapeuta e escritora. É possível escrever a dor do luto? Nesta atividade, a autora de As pequenas chances discorrerá sobre as possibilidades e impossibilidades de tornar a dor texto falando sobre o processo de escrita sobre a morte de seu pai. Serão abordadas também outras obras da literatura brasileira contemporânea sobre o luto e quais as especificidades da escrita da dor em cada uma delas. Eu não perderia. Inscreva-se aqui.
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